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COMPRIMIDOS

  • Foto do escritor: Nei Damo
    Nei Damo
  • 23 de ago de 2020
  • 4 min de leitura

O comprimido, substantivo, é assim chamado porque na sua produção ele foi comprimido, verbo, particípio passado de comprimir.

Comprimidos os há de todos os tamanhos e formas, limitada a maior dimensão a uma confortável passagem pela garganta dos adultos, porque em crianças os remédios são manufaturados em meio líquido para serem administrados.

Certas substâncias atuam sobre os agentes causadores de males à saúde, e o efeito destas substâncias é chamado de princípio ativo. O princípio ativo, adicionado a aglomerantes e outras substâncias inertes para dar peso, forma, cor e gosto, formam, quando comprimidos por máquinas, os comprimidos, substantivo.

Luis Fernando Veríssimo, em uma de suas crônicas, diz: "A festa de encerramento das atividades anuais de uma empresa se iniciou com o discurso de abertura do presidente, cuja voz ecoou por todo o clube:

— Queremos agradecer, em primeiro lugar, à indústria farmacêutica que nos mantém de pé..."

O fino humor do Veríssimo nem precisava agradecer à indústria farmacêutica, porque ela cobra muito bem pelos remédios que nos fornece.

Segundo a Sociedade Brasileira de Hipertensão, existem no Brasil, entre 20 e 25 milhões de pessoas hipertensas, e ficando apenas nesta doença, ignorando, por exemplo, que o diabetes é a segunda doença mais estudada no mundo, o cálculo dos preços dos remédios para esta expressiva parte da população ficaria assim:


Calculando a média ponderada, chega-se à conclusão que o custo do peso do remédio, apenas para os brasileiros que cuidam do seu sistema cardiovascular, é mais da metade do preço do ouro. Impressionante!

Então, Veríssimo, nem precisava agradecer: a indústria ganha muito bem para nos manter em pé.

Este incrível valor, doze vezes mais que o ouro, remete a uma teoria que tem alguma parecença com aquelas sociedades que estudam e acreditam em objetos voadores não identificados, mas é melhor que a ACOR – Associação dos Consumidores Obrigatórios de Remédios – fale por si.

1 - Maria de Paula Prazeres, de Itatiaia, São Paulo, nos relata:

"Meu prezados amigos, eu lhes afirmo que se um comprimido prestes a ser deglutido lhe escapulir das mãos, simplesmente esqueça e pegue outro. Desista de imediato de tentar descobrir onde ele se escondeu. Você não o encontrará!

Dia destes tentei achar um que caiu e quase morri procurando. Nunca mais o vi até que tive que trocar a porta do banheiro por causa de cupins. O desgraçado estava ali, debaixo da porta, bem junto do batente que prende a porta do lado das dobradiças, de modo que não se lhe via ao abrir e fechar a porta. Pode isto?"

2 - Nosso associado Jessé Ribamar, de Campina Grande, Paraíba, nos enviou a incrível história do desaparecimento temporário de um comprimido. Leiam abaixo:

"Eu tinha recém calçado os chinelos, como sempre faço ao cair da tarde, quando me dirigi ao banheiro para tomar um dos comprimidos do dia. Ao pressionar a cartela de remédios para pegar o comprimido, o mesmo me escapou por entre os dedos, indo ao chão. Como remédios custam os olhos da cara, me agachei para achar o maldito. Digo maldito porque ele sumiu. Simplesmente sumiu! Levantei tudo que podia levantar e não o achei. Até liguei a lanterna do celular e esquadrinhei cada centímetro quadrado do piso. Nada!

O mistério se desfez na manhã seguinte e, foi inacreditável, coisa mesmo de se rir: sempre que tiro os sapatos para botar os chinelos, dobro as barras da calça, para que ao caminhar, os calcanhares não as peguem. Pois bem, o maldito comprimido caiu, deu um pulo e foi se aninhar, vejam só, na barra da calça da minha perna esquerda, que só vi no outro dia, ao botar calça e sapatos para sair de casa!"

3 - Polibio Guedes, de Lavras, no Rio Grande do Sul, também compareceu à nossa seção de correspondência, e nos conta:

"Reporto-me a esta prestigiosa seção de cartas de nossa Associação para contribuir com o meu caso, reforçando a tese que os comprimidos, ao cair de nossas mãos, fogem.

Fogem, escapolem, voam, escafedem-se, pulam e se escondem, os desgraçados. Devido aos preços dos remédios, eu estou me treinando, e até fazendo ginástica de olhos e pescoço, para, quando um comprimido cair, eu consiga acompanhá-lo com a vista, de modo que o filha da puta não me escape.

Pois bem: ontem aconteceu e consegui acompanhar sua trajetória, já me preparando para num salto, apanhá-lo.

Eu estava meio que de viés com o box do banheiro quando o comprimido caiu. Ele descreveu uma parábola na queda, em direção à porta, quicou no piso e subiu em sentido contrário ao que seria o normal. Deu dois pulos como que acertando um determinado rumo e, num terceiro pulo mais forte, sumiu no ralo do box. Parecia o João do Pulo, quando ganhou a medalha de ouro para o Brasil, nas Olimpíadas de 1975."

4 - Mauro Morel, um mestre no ensino da Física na grande Capital dos gaúchos, que nos honra com sua missiva a esta secção, lança aqui sua tese:

"Tenho acompanhado todos os relatos de queda de comprimidos e desenvolvi uma possibilidade que considero plausível e, digo mais, perfeitamente exequível pela indústria farmacêutica, visto o preço dos remédios, na casa dos milhões de reais o quilo.

Tais quais os tubos de pasta de dente, onde alguns tem um formato que tende a dificultar a saída do creme, fazendo-se com que se jogue no lixo com um resto, e assim se compre outro em menor espaço de tempo, a indústria farmacêutica também tem interesse que usuários percam comprimidos.

Estou defendendo a tese que cada comprimido é constituído de bordas com saliências e com substâncias excipientes de diferentes módulos de elasticidade. Isto faria com que, num choque elástico, o comprimido teria vários coeficientes "K", onde, juntamente com as saliências, tornaria a trajetória após a queda, completamente aleatória. O objetivo claro seria o de se escapar da visão, escondendo-se nos mais insólitos lugares.

Existe um outro estudo de um colega meu, também proeminente físico, que defende a tese de que cada comprimido, principalmente os de maior preço, viria com um nano motor embutido, mas eu acho esta tese muito fantasiosa. Obrigado pela atenção."

 
 
 

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