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DESVIO DE RUMO

  • Foto do escritor: Nei Damo
    Nei Damo
  • 25 de out. de 2020
  • 4 min de leitura

Uma nave espacial do tipo cargueiro navegava na imensidão do espaço profundo. A bordo, Snyw, o comandante, e Snug, o ajudante. Apenas os dois, que os tempos eram bicudos e a companhia precisava economizar mão de obra. Estavam na viagem de ida, naquilo que seria um carregamento de minério na volta, até o destino final em seu planeta de origem.

Comandante, soou um sinal de atenção. Vou verificar.

Certo. Me informe do resultado na mesma frequência de áudio.

Snug debruçou-se sobre os dados da navegação e descobriu um ainda pequeno desvio de rumo. Em seguida, foi atrás da causa e não demorou em achar uma placa eletrônica solta, sem dúvida a causa da alteração que originou o sinal de atenção.

Alô Comandante, é uma placa solta, e não pode ficar assim. Neste tranco, iremos parar em algum lugar muito longe, que eu ainda não calculei.

Fácil de prender esta placa, eu imagino.

O Comandante está sentado? Porque se não estiver, é melhor sentar. As ferramentas ficaram na oficina onde fizemos a revisão. Não posso usar nada que seja da nave. Nosso Scanner 3D não tem matéria-prima. Em resumo, este é um cargueiro velho, que veio de uma revisão fajuta, feita numa oficina que ainda tem por slogan "A Preferida das Galáxias".

Reunião presencial o mais rápido possível, na sala de comando!

Antes da reunião, Snug conferiu os dados e repensou sobre a placa solta. Não havia meios ou elementos disponíveis para prendê-la.

Resumindo, Comandante: precisamos de quatro peças, densidade 8, parte hexagonal e parte cilíndrica. Módulo de Elasticidade 2 vezes 10 na quinta. Sulcos helicoidais restritos na parte cilíndrica, e considerando o todo, é necessária parte substancial em carbono.

Snug, conforme a enciclopédia galáctica, o planeta habitado mais próximo é o terceiro em órbita da estrela 521. Vou calcular a trajetória de abordagem enquanto você prepara a nave de captura. E estude bem este mundo, especialmente a parte escura do planeta onde é o nosso objetivo, e que se chama Brasil.

Como havia muito tempo, Snug estudou a fundo o Brasil, e de vez em quando dava uma risada, seguida da exclamação "Que país, que país!".

Comandante, vai ter uma eleição e um dos candidatos se refugiou num monte e está jejuando e orando. Diz que pode ser morto pelos Illuminati. Hahahah! Que país, que país! Outra candidata imprimiu uma foto sua para a campanha tão retocada que ficou parecendo não ela, mas sua filha, ou a mocinha de uma novela. Não entendo isto. E tem mais: presos querem porque querem se candidatar. Hahahah! Que país, que país! Eles se dividem entre coxinhas e mortadelas, cada um com uma realidade. Tem um presidente, um vice, dezenas de senadores, centenas de deputados, mas quem manda mesmo é um tal de Supremo, que faz o que quer.

Snug, prepare-se para a operação, que estamos entrando em órbita!

Quase meia noite e José Augusto parou num boteco animado, às margens da rodovia que cortava o estado de leste a oeste. Três horas depois, e cheirando a trago e perfume barato, decidiu seguir viagem, sem antes ponderar seriamente sobre sua segurança: luar limpo e claro, sem movimento no asfalto e, principalmente sem polícia rodoviária até os 50 quilômetros seguintes, onde pretendia dormir, num pequeno e conhecido hotel. Com muita atenção, em velocidade baixa e rádio alto, e José cantando junto, o flamante fusquinha verde seguia lépido na luz do luar.

De repente, luz e motor do carro se apagam, com José girando a direção para o acostamento, já pensando no que poderia ter acontecido. Pouco antes de parar, uma forte luz amarela invadiu o espaço ao redor do carro e, evolando na luz, também havia uma esparsa neblina de um leve perfume, que José teimava em não aspirar. Apavorado, sentiu-se elevar com o fusca, mas em pouco tempo foi se acalmando e, com a mente muito confusa, perdeu a consciência.

Acordou calmo e olhou o relógio, sem entender o que estava acontecendo. Eram cinco horas da manhã e ele tinha a impressão que, dez minutos atrás, a hora era três da madrugada. Acionou a chave da ignição e o motor ronronou como um gato manhoso. Ligou os faróis e, engatando a primeira marcha, arrancou em busca do hotel.

Mas continuava confuso, e mais confuso ainda ficou, ao divisar uma placa mostrando a próxima cidade.

Impossível! Impossível!

Pela placa, ele estava a uns 400 quilômetros do boteco animado, de cheiro de trago e perfume barato.

Impossível! Será que estou ficando louco?

Resolveu parar num posto de gasolina, tomar um café forte, e fazer mil perguntas.

Se a placa era mesmo real, porque as coisas ainda estavam enevoadas no cérebro, o próximo posto era o Posto do Gago, assim chamado por causa de um simpático frentista gago, o Gaguinho. Também lavar a cara com água fria, para ver se as coisas clareavam.

Por favor, abasteça e dê uma geral no carro, enquanto eu tomo um café.

Assustado, porque reconheceu o Gaguinho, entrou na loja de conveniências. Tentou se acalmar e pensar, procurando uma explicação lógica. Estava bem. O dinheiro estava intacto. Pensou em sequestro e lembrou-se do "boa noite Cinderela", aquela droga em que a pessoa apaga e depois não lembra do que ocorreu. Mas e a lembrança ainda difusa da luz amarela e o motor apagando? E a neblina perfumada? Seus pensamentos foram interrompidos pela entrada do Gaguinho na sala.

S..Senhor, tan...Ta...,tanque a...abastecido, óleo okay, m...mas tem uma co...coisa es...estranha. Em ca...cada ro...roda f...falta um pa...parafuso!

Snug deve ter continuado a estudar o Brasil, porque, quando em vez, ecoa pelas paredes do velho cargueiro, nos confins do espaço sideral, uma risada seguida da exclamação "Que país! Que país!".

 
 
 

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