RESSONÂNCIA MAGNÉTICA
- Nei Damo
- 13 de set. de 2020
- 4 min de leitura
Voltei a caminhar depois de mais de dez anos. Antes, eu caminhava todos os dias, com chuva ou sol, quarenta e cinco minutos em passo apressado.
Caminhei em Pelotas, Santa Cruz do Sul, Jóia, Porto Alegre, Chapecó, Caçador, Criciúma, Florianópolis, Curitiba, Francisco Beltrão, Guarapuava, ou aonde quer que meu trabalho me levasse. Com chuva, em estacionamentos cobertos de shopping ou supermercado.
Depois, numa descida de um beliche num barco do Pantanal, fraturei os dois dedões dos pés, e parei de caminhar. Com as fraturas, mudei sem perceber a passada, e sobreveio uma dor crônica nos calcanhares, o que continuava me impedindo de caminhar. Uma cirurgia e anos de fisioterapia de nada adiantaram.
Pouco tempo atrás descobri que eu podia caminhar, porque a dor nos calcanhares não aumentava. Ela é, por assim dizer, uma dor estacionária. E voltei a caminhar, mesmo com dor, escolhendo locais nivelados, de preferência em calçadas aprazíveis ao olhar, como a calçada ao redor da Lagoa das Lágrimas em Guarapuava, a calçada da orla da Baía Norte em Florianópolis, ou na calçada às margens do rio Guaíba, na zona sul de Porto Alegre.
Meu prazer diário não durou três meses, porque numa pisada em falso, num chão irregular, meu joelho doeu. No médico, um exame era necessário de imediato: a ressonância magnética. Com a requisição na mão, agendei o exame e foi me dito que eu deveria estar presente com meia hora de antecedência. Ciente da sabedoria médica, lá estava eu com quarenta minutos antes da hora do exame, e aí entendi o porquê da antecedência: senha, dados, requisição, assinatura e, principalmente, um questionário. Um senhor questionário. Em frente e verso, uma folha inteira de perguntas, com as respostas a serem dadas assinalando sim ou não, algumas acompanhadas de um “especifique”, porque simplesmente o sim ou o não precisavam de um melhor esclarecimento. De repente, você topa com uma pergunta assim: prótese peniana, seguida de sim ou não. Parei para pensar:
A) Você tem este negócio, mas fica com vergonha e responde não. Preenchido o questionário, você é chamado para o exame e aí tem ainda uma entrevista. A moça vai repetindo as perguntas e você começa a suar. Sabe que vai chegar a resposta mentirosa e, tem que cair fora dali, porque sentiu que entrou numa fria. Dá uma desculpa esfarrapada, e a moça diz: “Tudo bem. O senhor remarque o exame”, e se você pudesse ler pensamentos, veria por dentro da cabeça da moça, bem claro e distinto:
— Outro idiota. É o terceiro neste ano.
Você sai e liga para o médico.
— Doutor, a prótese aquela, é de silicone, não é?
— Sim.
— E então, qual o problema com a ressonância magnética?
— Os botões liga e desliga são de metal! Você vai ficar pendurado pelo saco!
— Meu Deus do Céu! Do que eu escapei!
E muda de clínica, nunca mais voltando naquela.
B) Você coloca sim na pergunta da prótese peniana e segue em frente, sem saber da entrevista, mas chega a moça e começam as perguntas. Um pouco antes da prótese peniana, ela pede licença, levanta, vai para uma outra sala e fecha a porta, mas você ouve:
— Meninas! Meninas! Tem um aqui! Vamos pedir para ver?
Minutos depois ela volta e segue com as perguntas, dando um sorriso de vez em quando. Terminado o questionário ela pergunta:
— Consultou seu médico sobre a prótese?
— Sim. Posso fazer o exame sem problemas. A prótese não é ferromagnética — você fala, muito seguro de si.
— OK, terminamos. Agora o senhor vai até o banheiro, fica só de cuecas e coloca um pijama que tem lá. Ficando pronto me avisa, e eu lhe busco.
E se retira para uma sala, fecha a porta, mas você ainda ouve:
— Pô! Perdemos uma chance! Já pensaram se o cara topa em nos mostrar como funciona? Teríamos assunto e diversão por uns dois meses!
Bobagens à parte, sigo em frente com meu exame. Duas moças me dão as instruções. Se me sentir mal, devo apertar uma bolinha de borracha que colocaram na minha mão. Ajeitam meu joelho num suporte e eu noto que vou ficar com o tronco fora do túnel, e tenho dali uma boa visão do aparelho, que eu sei, é um imã gigante. Ele vai emitir sons diversos que vão entrar em ressonância com ossos, tecidos e líquidos de diferentes densidades, mapeando as entranhas do meu joelho.
Junto com a bolinha de borracha, me fornecem o que parecia ser fones de ouvido, mas que foi, na realidade, um tapa som.
Se você tiver que fazer um exame destes, e for por um problema menos grave, que você esteja ali não muito preocupado, prepare-se para uns quinze minutos de sensações. Mesmo com escudo nas orelhas, os sons provenientes da máquina são altos, e um dos primeiros é um PPPPÓÓÓÓÓÓÓÓÓMMM, e você tem a impressão que vai ver pela janela aquele imenso disco voador de "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", do diretor Steven Spielberg, seguido daquele diálogo sonoro entre humanos e extraterrestres. E ainda o ímã gigante tem em seu frontal luzes que piscam, tal qual a nave do Spielberg.
Depois daquele som grave, cheio de Ós retumbantes, ouvem-se tiros de metralhadoras e pistolas: TÁTÁTÁTÁTÁTÁPÔPÔPÔPÔ, e você se sente ao lado do Tom Hanks, em "O Resgate do Soldado Ryan". Sem avisar, cessam os sons, mas persiste um tique e um taque dos segundos de um relógio, baixinhos, prenunciando alguma explosão, que vem logo, parecendo indicar que vai subir pela tua barriga uma escola de samba do carnaval carioca. É uma impressão de um breve tempo, porque os sons ficam repetitivos, e a escola de samba dá lugar a uma balada de música eletrônica.
Silêncio na sala e nem o tique-taque aparece. A moça entra e diz:
— Senhor! Terminamos. O resultado fica pronto em dois dias. O senhor pode se vestir. Aqui está sua chave do armário do banheiro 2.
— Obrigado moça. Até logo.
Dois dias depois busco o resultado:
Rotura no menisco medial com pequeno fragmento deslocado junto da raiz anterior, associada a periminiscite e a condropatia
Pequeno derrame articular
Condropatias patelar e tibiofemural lateral tipo II
Tendinopatia do quadríceps e do patelar
Sinais incipientes de tenobursite da pata de ganso
Nunca pensei que tantas coisas de nomes complicados pudessem caber numa simples torsão de joelho, mas enfim, devo logo começar a fisioterapia. E, se não resolver, vou ter que dizer para os amantes das caminhadas, aquilo que dizia, para a sua clientela, o dono da confeitaria: Pessoal! O sonho acabou!

Comentários