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UM ASSALTO NA MADRUGADA

  • Foto do escritor: Nei Damo
    Nei Damo
  • 27 de set. de 2020
  • 3 min de leitura

Em toda a minha vida tive dois enfrentamentos corporais. O primeiro, com a idade entre 11 e 14 anos, contra o Nelson Trombeta. Foi na saída do Colégio Bom Pastor de Chapecó, na primeira esquina do caminho para casa. Mal coloquei a maleta de estudante no chão, o Trombeta partiu, de uns quatro metros de distância, para cima de mim, com um berro de guerreiro Viking, e os braços girando como as pás traseiras de um helicóptero. Com os punhos cerrados, ergui os braços para a defesa e pensei: "Esta vai ser fácil. Basta me esquivar destas hélices e acertar um soco na cara dele.". E tive como objetivo único o rosto do oponente. Apartados pelos mais velhos, não lembro de mais nada.

O segundo enfrentamento, uns sessenta anos depois, foi numa madrugada de uns meses antes da pandemia, na rodoviária de Florianópolis, na hora de pegar minha mala do bagageiro do ônibus.

Junto do pequeno agrupamento de passageiros esperando, senti no lado direito um esbarrão de um cara baixo e retaco, como se fosse num passo de rengo. Quase no mesmo instante, senti o bolso esquerdo vazio e pensei na minha carteira com documentos, especialmente o de motorista e todas as consequências de sua falta, sem contar os cartões de crédito. No dinheiro, nem pensei.

Virei para o cara do esbarrão, que já estava de costas para mim, em direção à saída, e me lancei sobre ele. Engravatei o pescoço do baixinho retaco com o braço direito e segurei meu punho com a mão esquerda.

— Ladrão! Ladrão! Minha carteira! Segurem este cara!

E o baixinho só dizia:

— Tá louco! Tá louco!

No tempo em que ficamos engalfinhados, mil pensamentos me vinham à mente, e me admirei, depois, da velocidade incrível de processamento de dados do cérebro humano.

— Mas ninguém me ajuda?

— Devo apertar mais a gravata?

Comigo grudado nas suas costas, ele se inclinou para baixo e só ficava tentando se desvencilhar. Briga mesmo, ele não queria.

— Devo tentar uma rasteira, como nas lutas do UFC?

— Ele não está tentando me agredir.

— Será que engravatei o cara errado?

— Mas esta briga está mais fácil que a do Trombeta!

No momento em que o motorista do ônibus mais se aproximou, senti no meu ombro esquerdo um toque, com alguém me falando:

— Senhor, sua carteira está ali no chão.

Larguei do baixinho e fui atrás da carteira, enquanto ele saía de fininho, falando “tá louco, tá louco”, sem olhar para trás.

E eu, gritando: — Ladrão vagabundo! Ladrão vagabundo!

Contei o ocorrido ao taxista, que me relatou ter levado uma senhora até Biguaçu, e ao procurar na bolsa a carteira, ali não mais estava. Tinham-lhe surrupiado no desembarque na rodoviária, na semana anterior.

Ao chegar ao meu edifício e pegar a carteira para pagar a corrida, sumiu o dinheiro!

No elevador, rememorei o fato. Os meliantes agem em dupla e não são passageiros do ônibus. Um se aproxima pela direita com uma valise como se fosse passageiro chegando e, o outro se aproxima por trás para a ação e dar cobertura. O da valise me dá um esbarrão na direita enquanto o outro mete a mão no meu bolso esquerdo, puxa a carteira, tira o dinheiro, e deixa a mesma cair, se caso eu notasse a falta.

Ainda no elevador, pensei que eu deveria ter chamado a polícia.

— HAHAHAHAHAHAHAHAH!

— HAHAHAHAHAHAH!

Acendo a luz do meu quarto e falo:

— Tina! Preciso de dinheiro para o táxi.

E ela, com os olhos estremunhados:

— Mas isto é um legítimo assalto na madrugada.

E eu, de pronto:

— É verdade. Um assalto na madrugada!

 
 
 

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