UM CONCURSO PÚBLICO
- Nei Damo
- 11 de out. de 2020
- 4 min de leitura
"Não se impressionar com cenas violentas, suportar vulgaridades, não emocionar-se facilmente, tampouco demonstrar interesse em histórias românticas e de amor".
Assim se refere no critério "masculinidade", um edital de um concurso para ingresso na Polícia Militar do Paraná. Em outras palavras, quem não for machão, está fora! Entenderam, candidatos?
Uma breve análise mostra que basta uma prova prática e uma entrevista para avaliar o candidato, para atender o quesito "não se impressionar com cenas violentas". O resto é consequência, mas com um sério problema: como avaliar os candidatos?
Provas escritas ou orais estão descartadas, pois que, mesmo se achando um valente, na hora agá pode pintar um amarelão para qualquer um. O que se precisa então é uma espécie de reality show, nos moldes do programa de televisão americana "Dirty Jobs" onde o apresentador e protagonista assume o lugar da pessoa que executa trabalhos nada ortodoxos.
Citando um primeiro caso, o protagonista do programa ocupa o lugar de um operário dos esgotos de New York, e se sai bem naquele ambiente de cheiro e visão nada agradáveis. Ele foi macho e seria aprovado na Polícia Militar do Paraná.
Num segundo caso, o programa mostra a vida e os serviços em uma estância do interior do Rio Grande do Sul. Na noite anterior aos serviços programados, houve uma tertúlia, com chimarrão, trago, churrasco e cantoria. Pouco antes do anoitecer, já com o fogo aceso para o churrasco, um peão da estância passa com uma ovelhinha ao lado do americano. Este a olha nos olhos, passa a mão na cabeça do bichinho, fazendo um agrado, e comenta: "beatiful sheep".
Com o sol nascendo e o equipamento de filmagem pronto, a equipe chega ao lugar da primeira prova, onde o apresentador e protagonista assiste a uma doma. Convidado a repetir o que assistiu, lhe trazem um belo cavalo xucro. Ele recua e não topa a parada. Pronto. Seria recusado na Polícia Militar do Paraná.
Ao meio dia, outro churrasco à moda campeira, e neste lhe trazem como primeiro prato, uma iguaria típica do sul: a cabeça assada de uma ovelha, justamente a do bichinho da noite anterior. Com uma colherinha, um peão tira os olhinhos da ovelha e os serve ao americano. Abaixo dos risos disfarçados da peonada, ele, muito constrangido e sem graça, não aceita. Novamente seria recusado para a Polícia Militar.
Conta-se que um mês depois, o filho do estancieiro, que lhe servira de intérprete, recebeu o seguinte telefonema dos Estados Unidos:
— Hello, Mister Paulo! How are you, tchê?
— Hello, Mister Hank! Nice to hear from you, tchê.
— I called to tell you that I’m a vegetarian now, and that the "Tchê" is all over New York! I’m enjoying it, tchê!
Em resumo, o Americano se tornou vegetariano, e gostando do tchê gaúcho, o espalhou por toda New York. Se é verdade ou não, ninguém sabe.
Voltando ao concurso público e, baseando-se então neste "Dirty Jobs", bastaria se fazer um convênio entre a Polícia Militar, o Samu e alguns hospitais, onde o candidato ao concurso público acompanharia algum evento de socorro urgente.
Feito o convênio, os plantonistas de ambulâncias e os médicos intensivistas receberiam o ofício abaixo, lacrado, e entregue pelo próprio candidato:
Prezado Senhor.
Conforme convênio realizado entre esta Polícia e vossa entidade, lhes apresentamos o candidato Fulano de Tal, que vos acompanhará em um ou dois eventos, nos quais os senhores exercem vossa profissão.
O candidato deve ser apresentado ao fato que originou a sirene ligada, ou ao chamado de emergência para a sala de cirurgia do hospital, sendo que nesta ocasião ele deverá ser analisado quanto ao seu comportamento.
Feito isto, como reza o supracitado convênio, deve vossa senhoria marcar com um “x” a participação do candidato no evento, conforme as três opções abaixo, e devolver o presente ofício para o endereço de onde o mesmo foi originado.
Desde já apresentamos nossos protestos de alta estima e consideração na execução desta tarefa. Conforme salientado, por favor, marcar com um “x” em uma das opções seguintes:
( ) 1 - Valente
( ) 2 - Médio. Merece outra oportunidade.
( ) 3 - Cagão
Curitiba, tanto de tanto de dois mil e tanto
Capitão Sicrano de Tal
Por último, o candidato aprovado conforme o teste realizado no convênio deverá passar por uma entrevista, com o oficial psiquiatra da corporação, para uma avaliação psicológica.
Ele será recebido na sala do capitão psiquiatra, onde o mesmo o espera numa escrivaninha, que tem como adorno uma pequena cesta com vergamotas e bananas.
A entrevista inicia com perguntas triviais sobre a infância e adolescência, mas que se encaminha para uma pergunta fulminante: a esta pergunta, se o candidato responder "sim" com um sorriso nos lábios, ele será aprovado com louvor. Se responder um "sim" nervoso ou apresentar sinais de suor, ele passará por outra avaliação, e, se responder com um "não", o candidato será submetido a um teste físico de imediato.
Assim, no final da entrevista, o capitão coloca os dois braços esticados sobre a escrivaninha, e olhando muito sério nos olhos do candidato, lança a pergunta final:
— Tu já espremeu casca de vergamota nos zóio?
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